quinta-feira, 31 de maio de 2007

A moça quase

E foi que um dia surgiu:
Uma moça quase

Que bela ela era!
Que errada ela era!
Era quase, era quase

Era uma sereia
encantadora como tal
cantava para mim
quase cantava

Sem hesitar
Corpo e alma
Entreguei

Quis completar
Quis ser parte
de algo que não me era
Me dei
mal

E agora, no tentar me desenlaçar
Percebo minha bobeira:
A moça quase

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Canto da folha

Tenho vontade de estar
perto das extremidades
Lá o branco invade meus tímpanos
Me encolho e fico quieto
apreciando o canto da folha

terça-feira, 8 de maio de 2007

De como eu aprendi a arte de cometer pequenos delitos

Em tempos de criança nosso prazer era o sorriso. Viver era traquinar. De dever era a escola e a igreja. Professor ou padre dissessem, era dito. Pecadores que éramos, o confessionário era muito freqüentado: lugar sério e opressor. O clima de julgamento nos dava frio na barriga. Então um dia, algo muito especial se deu. Estávamos lá e veio o padre M. Nunca havíamos nos confessado com ele. Vagarosamente, com seus mais de oitenta anos, ele vinha. Entrou. Entrei. Sua voz era muito baixa, um quase nada, o que fez com que eu sentasse muito perto. Era mesmo uma confissão, ao contrário de todas as outras vezes: “Padre eu pequei. Eu e meus amigos tocamos as campainhas das casas e saímos correndo. A gente sempre faz isso.” Silêncio. Ele olhava para algum lugar muito longe dali. Olhava para o chão, mas não era para o chão que ele olhava. Olhava para algum lugar muito longe dali. Com um olhar difícil de descrever, muito calmo, de muita paz – um olhar de oitenta e poucos anos. Ele disse: “Você sabe que está errado, não é?” Eu fiz que sim com a cabeça. Ele então continuou bem baixinho: “Da próxima vez faça o seguinte: toque a campainha, corra um pouco no sentido contrário e depois passe tranqüilamente na frente da casa. Assim, se o dono ou a dona saírem para ver quem foi jamais irão desconfiar de você.” Eu demorei pra entender o que ele estava dizendo. Ele ficou calado, esperando. Então perguntei: “É só isso padre?” E ele: “Comigo nunca falhou.” Algumas semanas depois, enquanto eu ainda estava com aquilo na cabeça, fiquei sabendo que o padre M. havia falecido. Ele tinha câncer.

A igreja diz que é pecado contar o que se passa dentro do confessionário. Mas não seria pecado maior ainda não compartilhar isso que me aconteceu? Que este relato seja então mais um pequeno delito e que ele possa operar nas crianças que chegarem até aqui um pouco do que ele operou na criança que estava lá.

Arte-corpos

Fura corta tingi
Brinca atua fingi

Rasga arranca ferra!

Carne e osso
Nosso corpo?
Exagerado e desfigurado:

Arte-corpos

Solidão Coletiva

Passa um, passam dois
Muitos milhões
Incomunicáveis
Frios, comedidos

Passam...
Muito iguais
Massificados
Carentes de cultura

Passam...
Zumbis de paletó
Comestíveis

Passam...
E não percebem
Que estamos sós

Ser humano

Que tudo que há de mais horroroso seja aclamado
Odiemo-nos uns aos outros
Que todos matem a todos
Vamos negar toda linearidade

Façamos jus ao que somos
desde o dia em que Dele nos diferimos;
Somos a grande turba de pecadores
Aprimorando, a cada segundo, nossas técnicas

Massifiquemo-nos em nível mundial
Destruindo cultura por cultura
Disseminando a prática da miséria
Formando psicopatas, pedófilos, terroristas

Eis a Era da Comunicação
Criada para bilhões de incomunicáveis
Orgulhemo-nos destra grande conquista
E do vazio com que ela nos preencheu

Aceitemos de uma vez por todas
A podridão que nos habita
Para que o absurdo não persista:

De que adianta entender o universo
Se cada vez mais
Esvaziamo-nos de significado?

Canção Inexistente

Nos volteios suaves da fumaça
a imagem vaga
acariciando
um corpo carente

Soa intensa paixão
inexistente

Invenção do sofrimento
Saudades e desejo
Pulsa o impulso
e o eu só mente

Sua intensa paixão
inexistente

Tosse bruta atira trechos
tortos tristes
na batida
de repente

Sou intensa paixão
inexistente

Realizar surrealizando
rasurando o raciocínio
errando o rumo
eternamente

Só intensa paixão
inexistente

Calícia

São inúmeros altares
Inúmeros são os deuses

Conquistei li-verdade
Imitei cosmo-ética
Incorporei tecno-elogia
Aumentei auto-esgrima
Alcancei só-excesso
Encontrei pArte

Sempre o mesmo altar
O mesmo Deus de sempre

Não é de religião (não se discute)
é de Amém

O cálice
acalicia
é malícia

O altar, em sua altura
im-pressiona
ele é todo sedução
puro marketing

... carícia – carecemos ...

Tiremos o assento:

Amem!

Brinquedo

A pequena criança caga
E em suas mãos – um milagre?
a merda vira brinquedo

Chega o pai:
_Não pode!
Poda

Mas a sujeira está nele
A criança apenas brinca,
Ignora

Carecemos de ignorância!
Carecemos de merda!

domingo, 6 de maio de 2007

Inteligência Anal

Inspiração, pensamento, esforço... : esquecimento
BUNDA IMUNDA, A MODA DO MOMENTO!

Vermelhos

Seco ou molhado?
Grande conflito de forças equivalentes
No fim das contas, cada caso é um caso
Acaso!

A natureza nos esfrega sua beleza
E nós – pobres coitados
Agarrados em nossos velhos signos
Imploramos piedade

E quanto à roupa e a pele?
E quanto à quantidade de luz?
E quanto ao cabelo?
E quantas mil combinações são possíveis?

O filme colorido nos mostrou:
O vermelho é bonito!
Sangue seco ou molhado?

Insetrepada

Vi e invejei
Viajando alto
Voando e trepando
Vi dois pequenos insetos

Que arte suprema:
Insetrepada

Mas nós,
Ai de nós!
Devemos nos contentar em contemplar...
E só

Mirante

Que cor é a montanha?
_Verde
Olha de novo
_Verde
Aquela, lá longe
_Verde
Você está errado, ela é azul

O professor ensina
Revela tudo
Comprova:
_É azul

Volta o aluno com montanhas verdes
Você não aprendeu?
_Desculpa professor, mas montanha azul não tem cheiro de mato

Laranja e Amarelo

Jaz na poça a boba borboleta
E seu forte laranja levemente amarelado

Amarelo vivo, líquido
Boa mijada, no canto da sarjeta

Que bela imagem pelo acaso criada:
Borboleta salgada!

quando a concisão da palavra não me bastar fui ser conciso na vida